Inveja é um assunto polêmico, afinal, é um dos sentimentos mais humanos que existem e, ao mesmo tempo, um dos mais demonizados. Todo mundo acredita que já foi invejado por alguém, mas ninguém admite que já invejou. Da Bíblia aos livros de autoajuda, a inveja é vista como um sentimento que deve ser reprimido, sinônimo de pecado e desvio de caráter.
Acontece que as redes sociais trouxeram a vida e as realizações das pessoas para perto de nós, nos submetendo à comparação a todo momento. Se você já desejou, por um minuto, a vida de outra pessoa enquanto rolava o feed, você não está sozinha. Somos empurradas para esse lugar porque estamos o tempo todo expostas somente à parte boa da vida dos outros.
Sendo mulheres, então, é mais normal ainda, pois a sociedade nos ensinou a competir e a nos comparar. Por causa disso, vivemos um mundo onde a inveja é tão falada, e é impossível escapar dela. Quando, numa conversa, alguém admite a inveja, o termo já vem com uma nova configuração: “inveja boa”, que por si só embute um aviso: “não me entenda mal, eu sou uma pessoa do bem”.
A psicóloga clínica Bruna Balbino acredita que, como todas as emoções, a inveja é inerente ao ser humano, e é importante para o desenvolvimento da nossa consciência. É uma emoção necessária, mas pode se tornar destrutiva quando desviada da sua função criativa. Isso mesmo, criativa.
Bruna conta que a psicologia analítica desenvolveu o conceito de “sombra”, que significa tudo aquilo que permanece desconhecido, que é reprimido e negado pelo indivíduo porque geralmente são atributos que não são bem aceitos moral nem socialmente, como a inveja. A grande questão é que esses conteúdos da sombra não são necessariamente “ruins”. A psicologia acredita que reconhecer e assumir a presença da inveja, por exemplo, pode abrir espaço de reflexão e de aprendizado.
Inveja é um sentimento prejudicial quando diminui nossa autoestima, quando cobiçamos o que é do outro de uma forma egoísta, quando desejamos o mal a alguém para que só a gente cresça. Ela nasce do sentimento de inferioridade sobre si mesma e não necessariamente da superioridade da pessoa invejada. Mas à medida que vamos criando mais autoconhecimento e tomando determinadas atitudes diante dela, a inveja pode, sim, se tornar algo que nos ajuda a crescer.
A intenção desse texto é te convidar para pensarmos com mais autocompaixão sobre esse sentimento que é inerente ao ser humano… Afinal, quem nunca? É preciso jogar luz às nossas sombras, afinal, as coisas que a gente mais evita olhar são aquelas que mais merecem a nossa atenção.
E tem jeito “positivo” de sentir inveja?
Imagine a seguinte situação: você trabalha numa empresa que não te valoriza, por mais que você entregue o seu melhor e já tenha provado o quanto é capaz de ocupar um cargo de liderança, e isso te frustra. Um dia, você começa a rolar o feed do LinkedIn – uma rede onde, aparentemente, a maioria das pessoas tem a vida profissional perfeita. De repente, você se depara com um post de uma ex-colega de trabalho, muito experiente e competente, sendo promovida a diretora na empresa dela.
Nesse momento, bate aquele sentimento incontrolável e constrangedor. Você evita até pensar, mas não tem mais jeito – você já se comparou, sua autoestima já baixou e você já começou a questionar sua competência. Por mais que você, em nenhum momento, tenha desejado que ela se desse mal ou perdesse o cargo, você se culpa pelo simples fato de ter desejado estar nesse lugar também.
Gosto de pensar na inveja como uma bússola. Por exemplo: eu não sentiria inveja de alguém que lançou uma marca de roupas e começou a ganhar muito dinheiro, por mais incrível que isso seja. Por outro lado, já tive inveja de pessoas que ocupam certas posições em determinadas empresas.
Isso aponta para onde estão os meus desejos e me permite perceber que é possível. Ninguém brota num cargo de liderança, existe um caminho, quase sempre cheio de desafios, e eu posso trilhá-lo também. Inclusive usando como inspiração essa mesma pessoa que despertou essa “inveja”. Percebem?
Especialistas defendem que se, ao invés de reprimir, refletirmos sobre ela, a inveja pode ser transformada numa espécie de admiração, e te ajudar a sair do lugar de conforto em que você está e começar a buscar aquilo que você almeja (e que o outro tem).
A inveja é pensada como aquele sentimento de querer ter o que outra pessoa possui com um senso de inferioridade. Mas, se a gente mudasse o ponto de vista, começa a olhar para o nosso objeto de desejo como algo possível para nós, uma grande porta se abre. Afinal, se alguém conseguiu, você também pode.
Se a gente se livra do complexo de inferioridade, valoriza a nossa jornada pessoal e faz o melhor uso das ferramentas que temos, o caminho da outra pessoa se torna símbolo de inspiração, e não de competição. Em vez de nutrir sentimentos destrutivos como “ela nem é tão boa assim” ou “ela é boa, mas eu não”, é muito mais estratégico e te traz muito mais oportunidade refletir: “eu gostaria de fazer isso também, mas o que estou construindo na minha vida hoje vai me levar a esse objetivo? O que eu preciso fazer que ainda não estou fazendo para chegar lá?”. A partir disso, é possível criar metas e traçar sua rota.
No momento que a gente muda de perspectiva, não seria nem justo continuar a usar o termo inveja para designar esse sentimento. Mas, perceba: só conseguimos chegar a essa conclusão quando admitimos e refletimos sobre esse sentimento que, por tantas vezes, evitamos olhar. Somente quando conseguimos estabelecer contato com as nossas sombras, admiti-las e olhar com mais autocompaixão para nossas fragilidades é que conseguimos transformá-las em força e evoluir com elas.
Sobre a Autora:
Ananda Cerqueira é Analista de Marketing e Social Media na Tera. Tem uma trajetória transdisciplinar. A graduação em antropologia diz sobre a sua curiosidade pelas pessoas. O mestrado sobre comportamento de um grupo de mulheres em redes sociais foi o pontapé inicial para a área que hoje trabalho e me identifico: a comunicação. Curiosa, feminista, heavy user das redes sociais, interessada em tendências, comportamento, cultura, consumo e escrita criativa.
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