Dia após dia, o lugar de mulher tem se tornado o mundo inteiro, mas os desafios enfrentados por quem deseja desbravar um universo ainda pouco feminino são muitos e estão em muitas esferas. Vamos bater um papo sobre isso?
Há cerca de um mês, tive um encontro com a Sandra Lia Simon, Subprocuradora-Geral do Trabalho no Ministério Público do Trabalho, primeira e até agora única mulher a ocupar o cargo de Chefa nacional do MPT. A nossa conversa está disponível no primeiro episódio do podcast Diálogos de Equidade e você pode ouvir aqui.
A princípio, nosso objetivo foi discutir a questão da equidade salarial e a função do MPT nesse cenário, mas um outro tema veio à tona durante a conversa e me motivou a escrever esse artigo: os desafios de ser a primeira mulher a ocupar espaços majoritariamente masculinos.
Seja na ciência, na tecnologia, no meio jurídico ou em qualquer outra área ainda dominada por homens, a trajetória das mulheres, especialmente em espaços de liderança, são vistas como um ponto fora da curva, mas não é isso que desejamos!
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Desde que idealizei a Mulheres no Comando, o objetivo sempre foi conectar pessoas engajadas com a pauta da equidade de gênero e dispostas a realizar uma transformação no mercado de trabalho brasileiro. Aos poucos, estamos conseguindo fazer isso, mas o caminho ainda é longo.
Reconhecendo os caminhos possíveis
Se você é uma mulher, possivelmente já se questionou em algum momento da vida se determinado espaço era pra você. Pessoas diversas como um todo, incluindo mulheres, pessoas negras, com deficiências e pessoas LGBTI+, podem ter dificuldade de criar seus futuros por falta de representatividade, no trabalho, na mídia e na vida.
Afinal, na sociedade em que vivemos, é aos homens brancos que é dada a possibilidade não só de sonhar e imaginar futuros, como concretizar suas apostas. Não é à toa que 90% das posições de CEO são ocupadas por homens brancos no Brasil.
Para poder romper as barreiras sociais e do universo do trabalho, o primeiro passo é que as mulheres e outras pessoas diversas saibam que é possível. Essa não é uma mudança fácil e rápida.
Papéis de gênero e o “lugar de mulher”
Especialmente quando falamos de gênero, a vida das pessoas começa a ser traçada mesmo antes do nascimento, através de uma definição puramente biológica, quando uma ultrassom define: macho ou fêmea. Assim mesmo, sem considerar, inclusive, as interssexualidades que estão pelo caminho.
Definido o gênero de uma pessoa, muitas expectativas são criadas. Para aquelas pessoas identificadas como mulheres, cabe lidar com uma segregação funcional, que dita desde a infância que essas pessoas precisam cumprir o papel de delicadeza, vulnerabilidade e doçura.
A partir disso, há um acordo tácito de que as mulheres serão responsáveis pela manutenção da família nuclear. Isso inclui: trabalho doméstico não remunerado, cuidado com as crianças e pessoas mais velhas, além da pressão pela ampliação da família. Questionamentos como “quando você terá o primeiro, segundo, terceiro filho?” não são incomuns ainda hoje.
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Por esse e outros motivos, quando uma mulher deseja e/ou precisa construir uma carreira sólida, ela enfrenta dificuldades que vão muito além do espaço profissional.
Lugar de mulher é quebrando estereótipos
Infelizmente, não importa onde atue, o primeiro desafio de uma mulher no universo do trabalho é começar a desfazer os estereótipos difundidos historicamente, para que então possa avançar.
Por mais que possa não parecer, desconstruir os estereótipos é uma atitude consciente e muito cansativa. Não silenciar frente às injustiças é o primeiro passo para realizar essa mudança, por isso defendo que a equidade de gênero precisa ser uma luta de todas as pessoas e te convido para fazer parte disso!
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Lugar de mulher é rompendo barreiras
Se alguém diz “uma mulher não pode fazer isso”, uma mulher vai lá e faz. Por maiores que sejam os desafios, as mulheres estão cada vez mais dispostas e preparadas para fazer acontecer.
Conforme o Censo da Educação Superior 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC), 518.339 mulheres concluíram a graduação em 2020. Entre os homens, foram 359.890.
Vale lembrar que a educação pública teve início no Brasil em 1772, mas foi apenas em 1880 que as mulheres puderam ingressar nas escolas, ainda assim, com muita dificuldade.
Ainda nos dias atuais, algumas barreiras são encontradas na educação. Ao menos 20% de jovens de 14 a 24 anos que menstruam já deixaram de ir à escola por não terem absorvente, conforme pesquisa realizada pela Espro e divulgada no UOL Educação.
Quando olhamos exclusivamente para o cenário das empresas, algumas das barreiras que as mulheres enfrentam no dia a dia são:
- Acesso limitado às oportunidades de progressão de carreira;
- Assédios e violências no espaço de trabalho;
- Dificuldade de conciliação entre trabalho e família;
- Desigualdade salarial;
- Discriminação na hora da contratação;
- Falta de representatividade.
Desafios de ser a primeira mulher a ocupar uma posição
Muitas vezes, ao ser a primeira pessoa diversa a ocupar um espaço, várias barreiras precisam ser rompidas, como já citei acima. Em alguns casos, essas barreiras estão presentes, inclusive, fisicamente.
Um exemplo está na inclusão de pessoas em período de amamentação, que, por lei, precisam de um espaço reservado para amamentar, mas nem todas as empresas possuem. Em profissões onde são necessárias viagens ou estadia em alojamentos, como são garantidos os espaços seguros para elas?
Nesses e em outros casos, ser a primeira mulher a ocupar uma posição pode ser um desafio difícil de encarar. Transpondo para a questão de raça, no filme “Estrelas além do tempo” há uma cena icônica e dolorosa, interpretada pela atriz Taraji Penda Henson, que diz “não há banheiro pra mim aqui”, nas instalações na NASA, onde trabalha.
Quando falamos em ter um olhar apurado para questões de diversidade, inclusão e equidade dentro de uma empresa, às vezes, precisamos prestar atenção em coisas muito básicas, como a existência de um banheiro adequado.
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Sou a primeira, mas não quero ser a única
Quando uma mulher ascende profissionalmente, dificilmente encontra outras mulheres à mesa. Na contramão de uma rivalidade feminina que só privilegia, mais uma vez, os homens, as mulheres estão cada vez mais abertas e dedicadas a construir espaços mais diversos.
Para transformar a realidade que vivemos, é indispensável reconhecer a importância da união entre as mulheres e a necessidade de promover uma maior representatividade em todos os níveis de liderança.
Se você é uma mulher em posição estratégica e sente que pode contribuir para mudar a realidade de outras mulheres, aqui vão algumas dicas para impulsionar a união e a representatividade nos espaços que você ocupa:
- Criar redes de apoio, tanto dentro como fora da organização;
- Participar de grupos e associações que promovam o avanço das mulheres;
- Oferecer mentoria para outras mulheres e pessoas diversas;
- Compartilhar suas histórias de sucesso e desafios enfrentados;
- Buscar ativamente promover a diversidade em todas as áreas da vida.
Colocando essas ações em prática, considero que estou contribuindo para encorajar e inspirar outras mulheres, mostrando que é possível alcançar altos níveis de liderança e influência, mesmo que o caminho seja difícil.
Ao apoiar umas às outras e trabalhar juntas para enfrentar os desafios, estamos construindo uma base sólida para a representatividade e abrindo portas para um futuro mais igualitário. Sozinhas avançamos, mas juntas chegamos muito mais longe! Vamos juntas?