Na última semana, a divulgação do dress code de uma startup brasileira causou furor na comunidade do LinkedIn por contar com orientações controversas sobre como se vestir e se comportar no ambiente de trabalho.
Cada empresa possui suas próprias regras para delimitar o que é indicado e o que é inaceitável na hora de se apresentar em nome do negócio. Mas você já parou para pensar quais são os limites do dress code dentro de uma empresa?
Como mulher e profissional que trabalha diretamente com questões de diversidade, inclusão e equidade de gênero, considero importante falar sobre o tema para alertar sobre como algumas ações mal pensadas podem impactar negativamente as pessoas e o negócio, interna e externamente.
Dress code: inimigo ou aliado?
O conceito de código de vestimenta não é novidade. As regras de como se vestir surgiram há mais de 10 séculos, com o intuito de diferenciar a nobreza européia de plebeus e plebéias, especialmente em ocasiões especiais, como festas da realeza.
Como você pode perceber, o dress code surge de forma bastante questionável, com o objetivo de diferenciar as classes sociais. Infelizmente, até os dias de hoje, essa ferramenta pode ser usada de forma discriminatória, mas também pode ser uma aliada das empresas e das pessoas colaboradoras.
Um dress code pode ser um ótimo aliado da imagem corporativa. Com regras estabelecidas de como as pessoas devem se apresentar em nome da empresa, ele garante uma padronização da imagem.
Para pessoas colaboradoras, os códigos de vestimenta também podem ser aliados porque ajudam a identificar as roupas mais adequadas para adotar no ambiente de trabalho, seja ele formal, casual ou criativo.
Independente de existir ou não um documento que define as roupas e acessórios indicados e proibidos na empresa, as roupas usadas no horário de trabalho devem refletir a cultura, os valores e a imagem da empresa, mas sem exageros.
O que uma empresa pode exigir em relação às vestimentas?
A CLT prevê que qualquer empresa pode exigir uniforme e orientar o visual das pessoas colaboradoras, mas não pode impor um estilo. Nesse caso, o dress code esbarra com questões importantes como o respeito ao corpo e a identidade da pessoa trabalhadora.
De maneira geral, por incentivar a padronização, os modelos de dress code tem grandes chances de acabar reforçando padrões estéticos que vão de encontro às discussões sobre diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. Área que tem se tornado cada vez mais fundamental.
Simbolicamente, um dress code mal estruturado, pode servir mais para reforçar estereótipos de gênero e de garantir uma “higienização social” do ambiente corporativo, desencadeando violências de gênero, raça, classe e outras.
Vale lembrar que, quando não oferece uniforme, a empresa pode orientar, mas não deve cobrar uma vestimenta específica para o trabalho, como cor ou corte da roupa. Afinal, a exigência de que uma pessoa disponha de parte de seu salário para a compra de roupa específica, por obrigação do empregador, fere o princípio da irredutibilidade salarial.
Por isso, antes de exigir roupas, sapatos e acessórios novos, é necessário garantir que as pessoas colaboradoras tenham recursos destinados especificamente para esse fim.
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Construindo um dress code para a igualdade
Para desenvolver um dress code voltado para a igualdade, é importante se concentrar em regras que são realmente necessárias, por exemplo, as que envolvem a segurança da pessoa colaboradora e o combate à discriminação.
Segurança da pessoa colaboradora
Algumas roupas e acessórios podem colocar a segurança da pessoa colaboradora em risco, por exemplo, chinelos ou outros sapatos abertos. Em espaços como fábricas, o uso de sapato fechado é obrigatório por lei, mas essa exigência não precisa se restringir a esses espaços.
Imagine que algo inesperado acontece no escritório, como um incêndio. Todas as pessoas precisarão correr para o lado de fora. Nesse cenário, um chinelo poderia causar quedas ou até mesmo ferimentos.
Esse é apenas um exemplo, mas conhecendo a realidade da sua empresa, você certamente conseguirá avaliar quais as melhores práticas em relação às vestimentas e a segurança.
Não discriminação
Algumas peças de roupa, além de causar desconforto para colegas, podem contribuir para uma cultura de discriminação na organização. Camisetas com frases ou palavras consideradas discriminatórias, peças com estampas machistas, racistas ou LGBTIfóbicas, por exemplo, não devem ser aceitas em nenhuma empresa.
As vestimentas são uma forma de expressão e muitas vezes podem trazer ao ambiente de trabalho ideologias que não contribuem para uma cultura organizacional inclusiva e estratégia.
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Atualmente, o dress code pode ser mais um aliado para a equidade de gênero na empresa, coibindo aparições discriminatórias, em vez de reforçar estereótipos de gênero.
Como garantir que o dress code da companhia valorize a diversidade?
As principais dicas na hora de construir um dress code para a sua companhia são: tenha bom senso e não exagere. Apesar de, muitas vezes, atuarem em um mesmo espaço geográfico, as pessoas colaboradoras de uma empresa tendem a ser muito diferentes entre si e é isso que desejamos cada vez mais.
Com as pautas sociais cada vez mais fortes, padronizações de visual e comportamento sem questionamento inevitavelmente acabarão em preconceito e discriminação. Por isso, separei algumas dicas para você olhar com carinho para a política de vestimentas da sua empresa:
Revise o dress code com frequência
A velocidade das mudanças nas organizações é cada vez maior e, assim como outros processos, o dress code deve ser revisado com frequência. O quadro de pessoas muda com o tempo, novas funções surgem, novas pautas tomam protagonismo e as orientações de vestimenta devem acompanhar essas mudanças.
Consulte pessoas diversas sobre as exigências
Se a sua empresa conta com um comitê de diversidade, por exemplo, é fundamental que as indicações de vestimentas e acessórios passe pelo crivo desse grupo, afinal, essa é uma das funções de um comitê dentro da empresa: garantir a segurança e inclusão de todas as pessoas.
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Não faça diferenciações de exigências por gênero
Um erro extremamente comum do dress code é fazer diferenciação a partir do gênero. As mulheres sofrem diversas formas de discriminação no ambiente de trabalho e as orientações do dress code podem contribuir para isso.
Muitas organizações ainda exigem o uso do salto para mulheres e sabemos o quanto isso pode ser prejudicial, inclusive para a saúde. Por isso, sempre que possível, crie regras que se aplicam a todos os gêneros igualmente.
Considere as diferenças culturais
As vestimentas, os acessórios e os cortes de cabelo são formas de reproduzir valores de uma determinada cultura ou comunidade. Por isso, antes de proibir, é preciso conhecer.
Paralelo a isso, as regras de vestimenta podem ser usadas como uma ferramenta de segregação. Por isso, ao construir um dress code é indispensável considerar as diferenças culturais de grupos ou indivíduos da organização.
Proibir determinados tipos de cabelo ou o uso de hijab, por exemplo, são práticas discriminatórias que podem gerar problemas não só dentro da empresa, como legalmente.
A seguir você pode conferir algumas perguntas que podem ajudar a responder se o dress code da sua empresa está coerente com as práticas de diversidade e inclusão:
- A empresa oferece recursos para que as pessoas colaboradoras cumpram as exigências?
- As indicações de vestimenta valem igualmente para todos os gêneros?
- Essas determinações podem conter vestígios racistas ou sexistas?
- Essas exigências são mesmo necessárias?
Vale lembrar que nem tudo precisa estar descrito em um código de vestimenta da empresa para que seja pontuado. Casos isolados podem e devem ser tratados individualmente, seja através de uma conversa franca com a liderança imediata ou com o RH.
Se a sua empresa possui um dress code que não é atualizado há tempos, pode estar na hora de revisá-lo. Além disso, agora você pode considerar todas as dicas que eu trouxe aqui para tornar o código de vestimentas da sua empresa um aliado para a equidade de gênero.